terça-feira, 11 de maio de 2010

Vaticano rico? Há controvérsias

John Allen Jr é um dos mais conhecidos especialistas em Vaticano do mundo. Já fez análises do cotidiano da Igreja Católica para grandes veículos de comunicação, como New York Times e a CNN. Costuma publicar artigos no jornal americano National Catholic Reporter, do qual recomendamos leitura.

Nosso ponto de encontro com o jornalista americano é em uma entrevista concedida por ele publicada em veículos especializados em religião. A versão em português, copiamos do site da Associação Cultural Montfort, coordenada pelo professor Orlando Fedeli. O tema da entrevista é a riqueza do Vaticano. Leia e tire suas conclusões.

Como a Igreja e a Santa Sé se financiam?
O orçamento anual do Vaticano é de US$ 300 milhões. Basicamente, eles têm três fontes de renda: a primeira são as doações de igrejas locais e conferências de bispos em todo o mundo. As paróquias são obrigadas a entregar dinheiro às dioceses, e as dioceses são obrigadas a entregar dinheiro para o Vaticano.

Qual é a segunda?
Os investimentos. Em 1929, a nova República italiana pagou ao Vaticano uma enorme quantia por todas as propriedades que ela lhe havia confiscado. Essa quantidade, que hoje seriam de várias centenas de milhões de dólares, foi investida em uma carta de investimentos de bônus e ações que ainda existe e que, a cada ano, entrega renda ao Vaticano.

Resta a última.
O Vaticano é dono de cerca de 700 propriedades, principalmente em Roma, mas também em toda a Itália. Muitas delas são arrendadas a companhias e a pessoas, como lojas ou departamentos. Então, a cada ano, há dinheiro que chega por esse caminho.

Isso é suficiente?
Todo ano, em geral, eles andam muito apertados com esse orçamento, e não se sabe se ganharão o suficiente para pagar os gastos do Vaticano.

Falo das doações. São muito fundamentais?
Cobrem 50% do orçamento anual. As outras duas contribuem com 25% cada.

Em quanto estão avaliadas as propriedades?
O Vaticano diz que seu patrimônio, que inclui bens raízes, chega a US$ 770 milhões. O grosso dessa cifra são as propriedades. Então, no total, a avaliação deveria se aproximar dos US$ 500 milhões.

Eles estão com números vermelhos ou azuis?
Desde o final da década de 70 até o começo dos 90, eles estavam com números vermelhos quase todos os anos. Depois, chegou um cardeal norte-americano de Detroit encarregado da operação financeira, que era conhecido por ser alguém habilidoso com o dinheiro. Ele corrigiu o déficit, e eles obtiveram números azuis por vários anos. A partir daí, veio uma crise financeira, e voltaram a ter números vermelhos, mesmo que o déficit não tenha sido muito grande. Em geral, a Igreja não obtém excedentes significativos.

Então não se poderia dizer que a Igreja é rica.
Eu colocaria desta forma: o orçamento operativo da Igreja é de US$ 300 milhões. Nos Estados Unidos, a Universidade de Notre Dame – que é a maior universidade católica do país – tem um orçamento operativo de mais de US$ 1 bilhão. Isto é, pode financiar o Vaticano três vezes. O patrimônio do Vaticano – quase US$ 800 milhões – é semelhante ao que é entregue às organizações sem fins lucrativos dos Estados Unidos como doação. Meu ponto é que, se medirmos pelos padrões das organizações sem fins lucrativos, o Vaticano não é particularmente rico. O que acontece é que, diferentemente das organizações sem fins lucrativos – em que o item que absorve mais capital é o pagamento de salários –, no Vaticano, a maioria dos "empregados" são sacerdotes ou freiras que ou não recebem salário ou paga-se-lhes o mínimo. Essa é a forma pela qual o Vaticano pode manter as coisas andando com um orçamento que, no mundo das organizações sem fins lucrativos, seria considerado bastante modesto.

Qual é o departamento encarregado das finanças da Santa Sé?
A Prefeitura dos Assuntos Econômicos.

Como ela funciona?
Um cardeal – Sergio Sebastiani – é o presidente emérito. Ele tem uma junta de consultores. Além disso, existe um conselho de cardeais que assessora a Prefeitura na administração financeira. Esse conselho, por sua vez, tem uma junta de consultores que são profissionais financeiros, especialistas em investimentos etc.

Que perfil tem a pessoa que chega a esse cargo?
O Papa o nomeia. Quase sempre é um bispo italiano veterano que tem reputação de saber lidar com o dinheiro. Informalmente, se subentende que deve ser italiano porque há muita interação com o sistema bancário desse país.

Como você descreveria a atual gestão?
São imensamente conservadores. Fazem investimentos de muito baixo risco. Sei que, muitas vezes, foi frustrante para os cardeais que proveem especialmente dos Estados Unidos e da Europa, porque a Santa Sé demora em adotar algumas das práticas básicas para a administração e investimentos que são usadas em outras partes do mundo. Eles publicam um balanço financeiro anual. Mas não é divulgado. Não há uma auditoria independente das finanças. Ao longo dos anos, muitos cardeais queixaram-se privadamente comigo de que obteriam melhores retornos de investimento se pudessem atrair pessoas externas que tomassem decisões responsáveis, mas ligeiramente mais audazes.

O problema passa pela modernização, então.
É preciso entender que isso é o Vaticano. O problema de fundo, acredito, é que se trata de uma instituição cuja aproximação ao dinheiro é pré-moderna.

Em que sentido pré-moderna?
Anterior às práticas modernas de contabilidade. Que não se sente cômoda com estratégias de investimento do século XXI. Estamos falando de uma aproximação ao dinheiro que se formou na Alta Idade Média. No entanto, estão lidando com católicos de todo o mundo, que têm sim altas expectativas enquanto a transparência, gestão e responsabilidade.

A crítica usa Prada

O Papa está em Portugal. A ocasião é significativa. Dia 13 de maio, celebra-se o dia de Nossa Senhora de Fátima, padroeira do país e objeto de profunda devoção dos portugueses e de muitos de nós, brasileiros. É a decima-quinta viam de Bento XVI ao exterior desde o início do pontificado.

Domingo, durante o Regina Coeli, no Vaticano, Bento XVI pediu a todos que rezem pela sua viagem, realizada por causa da beatificação de Francisco e Jacinta, dois dos pastorinhos que viram Nossa Senhora (veja vídeo, direto do canal do Vaticano no Youtube).

No avião, Bento XVI respondeu perguntas de jornalistas e não se esquivou de polêmicas. Nem pode, já que cobrou dos seus próprios subordinados um tratamento mais duro dos problemas que afetam o Clero.

"Hoje nós vemos de uma forma verdadeiramente terrível que a grande opressão da Igreja não vem de inimigos externos, mas nasce do pecado dentro da Igreja", disse ele, ao ser questionado sobre os casos de pedofilia envolvendo sacerdotes. Um tema do qual ele não vai estar livre de falar durante um bom tempo.

Para se ter uma ideia da importância que os portugueses estão dando à ocasião, a visita de Bento XVI a Lisboa, Fátima e ao Porto chegou a ser manchete até em A Bola, conhecidíssimo diário esportivo.

Mas é claro que, mesmo durante a celebração da padroeira de Portugal, o Papa e a Igreja estarão livres das críticas. Algumas até, reconheçamos, de modo bem criativo, apesar das intenções não tão “católicas”. Uma delas é uma campanha comercial da grife de luxo Prada.

Mudando a frase do filme “O Diabo Veste Prada”, a empresa vai exibir um grande sapato vermelho sobre uma plataforma em que se lê na lateral “O Papa veste Prada”. A campanha se baseia na tese de que o Papa usaria sapatos da famosa grife de luxo, uma informação negada desde 2008 pelo jornal vaticano L'Osservatore Romano.

Ao jornal português Público, os responsáveis pela campanha afirmam que é apenas uma iniciativa de liberdade e de expressão artística. “Tanta gente diz que o Papa veste Prada, mas ninguém faz nada. Temos o direito de comunicar isso”, disse uma das diretoras.

Em momentos importantes e de grande visibilidade, cada um busca sua forma de aparecer.